aluguel de apartamentos blogarama.com Subway Love: 2009

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Prefácio

Falta pouco para as sete da manhã. Os alunos animados naquela fraternização típica da segunda-feira contando os acontecimentos do final-de-semana. De repente todos param de conversar e se viram. Eles chegaram. As quatro pessoas mais maravilhosas que aquele antigo colégio protestante em forma de castelo já teve o privilégio de receber. Um do lado do outro, caminham sem olhar para os lados. Eles sabem que todos os observam e eles gostam disso! A mais baixinha, Junie, com aquela carinha de princesa e visual impecável, esboça um sorrisinho para aqueles que a cumprimentam, na esperança de serem notados. Do seu lado, o irmão, Tarcie, um skatista lindo, sem expressão facial, exalando mistério, nem responde aos que o saudam, por causa do fone de ouvido em volume máximo. Logo em seguida, Kléo, o sonho das garotas e a inveja dos garotos. O cabelo liso e muito bem cuidado balançando, acompanhando seus passos, seguro de si mesmo, nem se incomoda em responder ao clamor dos admiradores, quando essa gente vai aprender que ele nunca vai se misturar com eles? E, por último, o terror de Hermann Hesse, Tutti. Como o amigo Kléo, não olha para os lados, ignorando que alguém a esteja chamando. ocupada demais fumando seu cigarro e mascando seu chiclete.
É assim todos os dias no Hermann. Só é permitido entrar no colégio após a aparição do Quarteto Maravilhoso.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Capítulo 1

Tutti estava sonolenta, quase dormindo. O longo cabelo negro de mechas roxas caía-lhe sobre o rosto. Um professor qualquer insistia em falar da Revolução Russa, mas a menina só pensava no saquinho de chicletes vazio que tinha no bolso, e isso lhe causava uma leve onda de depressão. Subitamente, seus olhos verdes fitaram Tarcie, que balançava a cabeça e os cabelos lisos desgrenhados ao rítimo da música, no volume máximo. "Argh, idiota sem-noção" pensou ela, e pegando seu maço de cigarros e o isqueiro, levantou-se:
- Junie, estarei lá embaixo. NÃO me siga!!! - e saiu rapidamente. O professor não se atrevera a segurá-la.
Junie, sem entender nada, olhou para o irmão, e sorriu maliciosamente, voltando rapidamente para o professor, que agora falava sobre Stalin. A garota, de olhar negro penetrante, pele bronzeada e cabelos castanhos bem claros, rajados de louro se perguntava, com ar sonhador, se Stalin fora bonito quando jovem. Virou-se para o lado e contemplou Kléo, que olhava fixamente o lugar que Marcello, seu "amante secreto", ocupava lá na frente, depois disparou:
- Kléo, será que o professor têm filhos? - como se perguntasse algo muito natural.
- Meu Deus, como é que eu vou saber, mulher? Por que isso agora? - o amigo dizia, enquanto era observado pela parte feminina da sala, que exalava suspiros e desconhecia por completo sua opção sexual.
- Ah, sei lá, sabe? 'Tava observando e... sabe, ele parece ter sido um verdadeiro GATO quando jovem! Se ele tiver um filho, deve ser muito lindo!!! TIPO assim, MUITO lindo MESMO! - Junie dizia com verdadeira animação.
- Ah, sossega aí e cala a boca, sirigaita infernal! - brincava Kléo, que já abria o celular de última geração afim de mandar uma mensagem para Marcello. Já não estava querendo ouvir os devaneios de Junie.

Mah hj as 2 no msm lugar steja la!

E clicou "enviar". Quando reparou que Marcello respondia seu recado, pode-se dizer que Kléo estava quase feliz. Do fundo de seu coração, não queria gostar dele, mas já que gostava, melhor aproveitar, né?!

blz lugar d sempre vo t sperah bj

Chegou o frio na barriga! Pensava no que devia vestir e coisas importantes desse tipo quando sua linha de pensamento foi rudemente interrompida por Junie:
- Kléo, você acha que na Rússia tem metrô?
- Hmm, não sei... mas por que você pensando na droga do metrô agora?! Isso cansa, sabia? Pelo amor de Deus, Junie! Vai se tratar! - esbravejava, já sem paciência.
- Ah é, falando em tratar, vamos comigo na clínica de estética hoje? meio pálida, preciso de uma sessão de bronzeamento... - sibilava Junie, olhando para os braços para provar que estava pálida.
- Não dá, tenho uns compromissos aí...Vamos outro dia, ? - Kléo disse, corado. Junie já sabia, olhou para Marcello com aquela cara de reprovação que aprendera com sua mãe. "Tsc tsc" pensou ela. Haha! O sinal tocou, graças a Deus!

Nada de diferente até então, naquele primeiro período de aula. Tutti voltara com os olhos vermelhos e bastante alheia ao que acontecia à sua volta. Fumara algo que todos sabiam o que era, mas ninguém iria contradizê-la. A aula de Sociologia estava mais desinteressante do que nunca com a professora de óculos fundo-de-garrafa e cabelos despenteados já grisalhos falando sobre a AIDS na África e ninguém prestara atenção até Junie fazer sua observação:
- Professora, não seria interessante se na África houvesse um metrô? Ia ser a solução perfeita para lá! - dizia realmente animada.
Para a supresa de todos os presentes, Tarcie, que nunca dizia nada, começou a ralhar com a irmã, parecendo ainda mais belo aos olhos das garotas:
- O QUE É que o METRÔ poderia fazer para ajudar os africanos na luta CONTRA a AIDS, Juniella? - perguntava realmente nervoso. Ninguém sabia que tinha princípios tão enraizados.
- Bem, TARCÍSIO, se lá tivesse ao menos um metrô, as pessoas poderiam ir até a cidade comprar medicamentos e preservativos rapidamente! Não é óbvio?! - Junie dizia com sabedoria admirada por todos da sala, exceto seus três companheiros. Tarcie não pôde ouvir a resposta pois assim que a irmã começara a falar, sua música preferida iniciara no mp3.
Tutti e Kléo estavam absolutamente perplexos, e gritavam a plenos pulmões:
- NÃO dá pra acreditar que ela DISSE que o METRÔ é solução pra AIDS!! - Kléo gritava com sincera indignação - O METRÔ, Tutti! O METRÔ!
- O que NÃO DÁ PRA ACREDITAR é que esses IDIOTAS concordaram e essa INÚTIL da professora deu ponto positivo pra ela!!!! - Tutti esbravejava. Sua voz soava como um raio pela classe, que se encontrava dividida. Junie era, bem, Junie, sabe! Ela tinha idéias muito brilhantes, mas Tutti e Kléo eram muito inteligentes, e ninguém queria cair no desgosto deles, embora em seu âmago soubessem que o dois já não gostavam deles. A professora não sabia o que fazer, não podia assistir uma briga entre os quatro ou comprar briga com aqueles dois, era muito para ela, e numa tentativa desesperada de fazer reinar a paz, disse com voz trêmula:
- Juniella e Tarcísio Mancini, um ponto positivo por suas observações. Lavínia Gervasi, um ponto positivo também, por ter contribuído com a aula de hoje e Kléber Bittencourt, um ponto para você também por ter complementado com suas opiniões. - e olhou a classe em busca de aprovação.
Num uníssono que ecoou por todo o colégio, os Quatro Maravilhosos gritaram, em perfeita sincronia:
- JA-MAIS ME CHA-ME DE...
- JUNIELLA!
- TARCÍSIO!
- KLÉBER!
- LAVÍNIA!

E o sinal tocou novamente. Intervalo!!!!
Durante um ano, Junie havia namorado um garoto popular do colégio. Foram apelidados de "Casal Perfeito". Realmente combinavam. Junie era uma princesa e só poderia namorar um príncipe. Ricardo era alto, cabelos loiros, propositalmente desgrenhados, malhava e tinha as costas largas. Parecia perfeito... por fora. Mulherengo e completamente infiel, deixara Junie louca em várias ocasiões, até que ela, como diria Tarcie, "se tocou" e "deu um fora nele". Pois bem, só que agora ele queria a princesinha de volta e, para falar bem a verdade, estava quase conseguindo.
- Ai, sei não, Tutti. Acho melhor eu voltar com ele. Tem muita menina atrás dele e posso perder pra elas. Sem contar que daqui a pouco vou ter dezessete anos e ainda sou, cê sabe, virgem - a última palavra havia sido proferida quase que como um sussurro, não querendo que Kléo, que estava a seu lado, risse.
- Meu, você não falando sério! Ele te chifrou com todo mundo! Fora que... meu, NÃO! Já me basta aquela bicha-pão-com-ovo se ouriçar toda pelo canalha do Marcello. O Ricardo não vale um centavo sequer. E quanto à sua, bem... você sabe, tem cara muito melhor por aí. Por favor, viu! - dizia a amiga, mascando chiclete sabor tutti-frutti.
- Você é afim do Bruno, que é amigo do Marcello e do Ricardo, então, cala a boca! E você não deveria me dizer para esperar o cara certo? - Junie indagava.
- Ué, por que eu iria dizer isso? - Tutti agora acendia um cigarro.
- Ah, é o que as amigas dizem, sabe? "Espera o cara certo, tudo tem sua hora...", não é?
- Tudo tem hora certa, mas a hora certa sempre é agora! Só que o Ricardo... na boa, não!
Mas Junie não deu atenção, estava pensando em como voltar para Ricardo fazendo-o acreditar que era por insistência dele e não por vontade própria. Em meio a tais pensamentos cruciais, chegam as Três-Marias, grudadas como sempre, com sorrisos idênticos, cabelos idênticos e roupas idênticas, mudando apenas a cor.
Junie sussurra para Tutti: "Lá vem as trigêmeas", e Tutti dá um sorriso mecânico, que fez com que as gêmeas sentissem suas espinhas congelarem.
- Ooooi Junie, oi Kléo e oi Tutti! Tudo ótimo com vocês?
- Melhor agora - respondeu Tutti, com voz estranhamente carinhosa, enquanto Junie somente assentia com a cabeça e Kléo ria.
- Nós, minhas irmãs e eu, estávamos... sabe, nos perguntando se por acaso, vocês sabem onde o Tarcie está - perguntava a Maria do meio, Maria Clara, talvez. Todos os alunos do pátio olhavam para as corajosas trigêmeas e, mais ao longe, alguém derramou uma lágrima de emoção. Tutti e Kléo eram capazes de sorrir.
- Bom, sim, é claro! Ele está na quadra antiga, - Junie dizia animada, e as meninas tremeram. A quadra antiga era uma quadra fechada a sete chaves por causa de um incêndio que matara nove alunos lá dentro - acho que Tutti e Kléo não se importam em levar vocês até lá, né?
- Ah, claro que não! Ele vai ficar feliz por ver vocês! - dizia Tutti, enquanto as meninas congelavam. Um sorriso estranho, sem alegria de verdade estava estampado no rosto de Kléo.
- Bom, meninas, vou com a Tutti levá-las lá, preciso mesmo falar com o Tarcie sobre umas gatas aí... - e olhou malicioso.
As meninas vibraram com a idéia. Kléo era tão bonito. Nunca trairiam seu grande amor, Tarcie, mas era bom estar com mais outro cara lindo, também. O pensamento quase as fez esquecer que iam ao lugar assombrado do colégio.
Junie tinha o dom da persuasão, e há uns quatro anos, havia conseguido uma cópia do molho de chaves do colégio com o zelador e logo trocara com Tutti por um pote de creme facial importado que Lia Gervasi comprara em Milão.
Chegando na antiga quadra, Kléo entrou primeiro, usando as chaves de Tutti. As gêmeas se perguntaram como eles conseguiram aquilo, mas preferiram ficar caladas. Quando Kléo saiu, com um sorriso no rosto, elas não sabiam se ficavam aliviadas ou se corriam.
- Ele lá dentro fumando. Querem esperar ele terminar e voltar depois, ou...
- Não! A gente não liga! - E correram para o proibido prédio.
Ao que as Marias entraram tão rapidamente, Kléo e Tutti gargalhavam e contorciam-se. Viram Tarcie correndo rapidamente até eles para dizer bem alto, "Junie acabou de beijar o Ricardo." Kléo que já havia trancado o portão, correu rapidamente até o pátio e Tutti, ainda assimilando a aparição de Tarcie e o que ele havia dito, correu uns três segundos depois, pensando: "Eu vou matar aquela piranha!"
Junie foi cercada pelo irmão e os dois amigos que gritavam palavras sem nexo. A única coisa que conseguia ouvir era o irmão, que sempre agira como um vegetal, vociferando coisas como "... uma idiota", e "... aquele filho da pu...", Tutti quieta, esquartejava-a com o olhar e Kléo indo em direção a Ricardo. Então ela se voltou para o irmão, tentando se justificar:
- Ai, Tarcie! Que é que tem?! Ele é lindo e tem status. Foi meu primeiro namorado e acho que já estamos maduros para uma relação mais... sabe?... íntima!
- Só porque você quer, cê sabe... não quer dizer que qualquer um serve! Esse cara não presta! E nós temos mais status que ele! - gritava o irmão. Após mais alguns argumentos da parte de ambos, uma outra briga lhes puxou a atenção. Kléo e Tutti estavam numa calorosa discussão com Ricardo, que parecia adorar a situação.
- Não chega perto dela, seu imbecil! Juro que acabo com você. Você nem vai saber o que te atingiu! - gritava Tutti, apoiada por Kléo, que dizia firmemente:
- Já vai saindo daqui, garoto! Não me obriga a ir até aí...
Ricardo sabia como Kléo era popular com o pessoal da escola, apesar de ser antipático, e achou melhor não comprar briga com ele. Embora tivesse um pouco de medo de Tutti, não achou que ela estivesse falando sério, mesmo sabendo do que ela já havia feito com outros alunos.
- Kléo, relaxa cara. Não quero brigar com você... gosto da Junie, tá legal? - e se sentiu feliz por ter enfrentado aquele garoto ameaçador. No clima de vitória, emendou:
- Lavínia, florzinha de cemitério! Vai cuidar da sua vida! Volta pra Família Addams, Vandinha! - e logo que disse, houve silêncio. Estava se arrependendo do que disse quando, devido a um sorriso assustador de Tutti, desejou nunca ter nascido. A menina calmamente lhe disse:
- bom. Se é assim que você quer... - e saiu, sorrindo.
No metrô, Kléo perseguia um garoto de franja que andava a sua frente, descompromissado. Ainda tinha em mente o encontro com Marcello, mas um flertizinho não machucava ninguém. Tarcie e Tutti discutiam sobre o cenário punk moderno, que para Tutti não existia e para Tarcie estava bombando. Nenhum deles falava com Junie, que andava atrás de todos, folheando o fichário da Hello Kitty, que comprara em Miami. Nem percebeu que os amigos já haviam entrado no vagão, que começou a se mover. Num ato rápido, um cara que estava perto dela a puxou para si, evitando que Junie caísse nos trilhos.
- Seu imbecil! Meu fichário! Por que você fez isso, seu idiota?! - gritava a menina, sem olhar o rapaz que salvara sua vida.
- Antes a droga do fichário do que você, garota! Você ia cair ali. - esbravejava o rapaz, não acreditando que ela estava pensando no fichário e não em si mesma.
- Pega meu fichário agora, seu monstro! - Junie dizia com lágrimas nos olhos, ainda sem olhar para ele. Mas tarde demais! O outro metrô chegara. O rapaz, antes de entrar, gritou:
- Ah! Então morre, patricinha metida a besta!
Junie, ainda com lágrimas nos olhos, o olhou pela primeira vez, e não conseguia acreditar no que via. Ele era simplesmente lindo! E havia apertado-a contra seu corpo! Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, o vagão se movia, até ir embora. Acontecera! Ela teve seu Subway Love.





segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Capítulo 2

- Aaaaaai Tutti! Ele era tão lindo! Me agarrou, cara! Se eu soubesse que ele era o cara mais lindo da terra não teria xingado ele! - Junie exclamava na escola no dia seguinte.
- É, eu vi. Se você não estivesse tão preocupada com a droga do fichário, ele poderia até gostar de você... - respondia Tutti secamente.
A aula estava excepcionalmente chata. Matemática deveria ser crime, todos pensavam. Junie ainda floreava romances sobre o cara do metrô quando olhou para o lado e tomou um susto ao ver três carteiras vazias.
- Gente! Que horas vocês tiraram as Marias da quadra?!
Tutti e Kléo se olharam e, atônitos, correram para fora da sala. Tarcie olha e pergunta a Junie o que acontecera, quando ela lhe contou o garoto também correra. Encontra Tutti e Kléo em frente a antiga quadra. A menina mascava seu chiclete desesperadamente e Kléo ria.
- Ah! Tatá, tira as meninas daí pra gente? Elas podem não entender a nossa brincadeira, sabe? - Tutti dizia, sorrindo para Tarcie.
- Não! Se elas forem na diretoria eu que me ferro! - Tarcie argumentava.
- Tá bom... Desculpa por ter pedido sua ajuda. Sempre fui sua amiga e, inocentemente, achei que você gostasse de mim... - Tutti apelava, fazendo cara de choro e beicinho.
- Ah, tá bom! Mas corre daqui! Você também Kléo!
E destrancou a porta depois que os amigos já estavam longe. As Marias saíram, chorosas e abraçaram Tarcie. Contaram que Tutti e Kléo as haviam atraído para lá.
- Vocês não vão querer espalhar isso. Aconselho vocês a não mexerem com meus amigos, estou falando SÉRIO! - e saiu, imponente.
As Três Marias o olhavam caminhar para longe. Talves Tutti e Kléo não tenham feito por mal, aliás, já não sabiam se foram eles ao certo. Teriam que contar aos pais o que acontecera, afinal, nunca passaram a noite fora, principalmente no meio da semana.

As aulas haviam acabado e os Quatro Maravilhosos caminhavam em direção ao metrô. A situação com Junie melhorara.
- Junie, sério mesmo que você vai continuar com o Ricardo? - Kléo perguntava à amiga, num misto de tristeza e raiva.
- Ah, vou! Ele é bonito e talz... - Junie respondia incerta.
- Se você continuar querendo ser corna, be-le-za! Mas se o cara do metrô te olhasse de novo, você nem ia poder investir nele, ... - tentava Tutti confundir a amiga, que se encontrava irredutível.
- Pára! Ele é legal! E, o cara do metrô é outra história!
Tarcie fitava a irmã sem dizer nada. Todos sabiam no que ele pensava.
Entraram no segundo vagão. Junie olhava para todos os cantos afim de achar o menino. De repente sentiu seu corpo como numa corrente elétrica. Achara. Ele estava sentado, com fones no ouvido, cabeça encostada na ponta do assento. O pescoço alvo, forte esticado, o cabelo castanho-escuro e os olhos fechados deixavam sua aparência ainda mais desejável. Notou que a frente do garoto, havia dois lugares livre e puxou Tutti para lá.
- Olha ele aí! Meu Deus! Ele é perfeito, ? - Sussurrava Junie para a amiga, que se sentara de um jeito provocante, com os joelhos de fora.
- Ele é bonitinho... - Tutti respondera, imaginando uma escala de beleza em sua cabeça. "1, 2... 7... 10... 11!" pensava ele. - Ele é realmente muito bonito! - notou a camiseta branca que ele usava, que tinha um rosto estranhamente familiar para Tutti, e arriscou cantar.
- Because the night belongs to lovers, because the night belongs to us... - e observa o menino abrir os olhos e fitá-la, num misto de surpresa e diversão. Ela acertara! A imagem sombreada estilo Che Guevara era de Patti Smith! Junie estava se escondendo sob o cabelo, não querendo virar o rosto para ele. Corava. Tutti ficou extasiada pelos olhos do menino, um verde tão profundo e penetrante que a fazia perder o fôlego. Apenas um garoto parecera assim tão envolvente para ela, e ainda parecia. Deu uma disfarçada cutucada na amiga e mostrou sua bolsa, com um botton de Patti Smith para o garoto, que sorriu para ela.
- Como é seu nome? - Tutti perguntava, enquanto dava outra cutucada na amiga.
- Caíque, e você? - O garoto respondera, com os lábios bem definidos e ainda com o olhar divertido.
Junie virou-se lentamente de maneira sensual, fitando-o. Caíque arregalou os olhos mal podendo acreditar que existia uma menina tão linda, mas de súbito lembrou-se dela, "A menina do fichário", pensou com amargura, e fechou o sorriso, ainda a encarando.
- Me chama de Tutti - A amiga tentava disfarçar.
O garoto deu um sorriso, voltando-se para Tutti, levantou-se e desceu na estação seguinte, Clínicas.
- A gente se vê, Tutti. - disse e saiu.
Junie sentiu o mundo girar, e não falava nada. Não reparara que ainda tinha a voz dele em sua cabeça, quando chegou a estação Vila Madalena, onde desceu com os amigos.
Já haviam atravessado os grandes portões do condomínio onde moraram quando Seu Zé, o porteiro a quem amavam como se fosse um pai, disse-lhes:
- Crianças! Hoje os pais de vocês não estão em casa. Juju e Tarcisinho, sua mãe disse que chega tarde hoje, depois do seu pai. Klebinho, sua mãe foi numa reunião na casa de uma amiga, seu pai volta mais cedo hoje e disse que te busca no jiu-jitsu. Lávi, nem os empregados estão hoje, pode almoçar lá em casa. O Danilo tá aí hoje! Vocês podem conversar.
- Brigada, Seu Zé! - todos disseram e foram subindo a rua.
Aquele era realmente lugar para gente rica. As ruas eram arborizadas e bem cuidadas, casas enormes, de portões altos divididos pelas quadras do lugar. Junie e Tarcie moravam na casa mais alta da rua. Os portões de ferro eram cobertos por heras e treliças, a casa lá dentro parecia um castelo. Grande, limpa, jardins bem feitos, uma piscina no quintal. Tudo o que um adolescente poderia querer. Tutti morava duas casas para baixo, duas enormes e folhosas árvores ficavam nas extremidades dos muros, que eram altos e tinham cercado elétrico. A casa era estilo européia, pedra cinzente e heras nas paredes. Cinco quartos no segundo andar, todos com varanda garantem uma sacada única em volta da casa. Kléo morava na casa ao lado, a maior de todas. Toda a casa era de vidro, mas de fora ninguém conseguia ver nada. A enorme garagem continha vários carros modernos, e havia um porteiro particular na entrada.
Quando Tutti entrou no casarão, desabou em lágrimas assim que teve certeza que a porta havia fechado. Queria gritar e bater! "Ninguém em casa", pensava ela. Já estava acostumada a não ter a presença dos pais, mas nunca havia ficado sem empregados na casa. Sentiu um súbito ódio e seguiu para a sala de jantar, com mais lágrimas caindo dos olhos. Olhou para o armário onde estavam guardados os cristais e a louça chinesa de sua mãe. Escancarou a portinhola e jogou prato por prato no chão, taça por taça, quebrando tudo. Milhares de reais, talvez dólares, jogados fora. Subiu com toda a velocidade para o andar de cima e, ainda cheia de ódio, quebrou tudo que havia no seu quarto. Caiu no chão, depois de extravasar sua fúria. Dormiu.

Era noite. Junie, Kléo e Marcello estudavam para um trabalho na casa da menina. Seus pais haviam saído. Tarcie estava na sacada de seu quarto fumando a maconha que comprara de uns amigos do Villa-Lobos quando viu a garota chegando. Ela sempre fora mais alta que a maioria das meninas que ele conhecia. A pele bem clara estava iluminada pela luz de seu quarto. Seus olhos verdes sorriam para ele, assim como seus lábios rosados. O vento balançava os longos cabelos cor de sol que ela tinha. Quando se sentou ao seu lado, Tarcie pôde sentir o cheiro do chiclete que ela mascava. Gostava disso. A menina ria alto, parecendo genuinamente feliz.
- Hahaha... você não vai acreditar! O Kléo acabou de dar um beijo no Marcello! Hahaha... - dizia, atrapalhando-se nas palavras pela risada. - Deixa eu fumar também, vai!
- Ele o quê? Cara... Sabia que aqele moleque era viado! Não vai fumar, não! é novinha demais. Devia estar brincando de boneca. - Tarcie zombava da amiga.
- Treze anos! E você só tem quatorze! Se liga. - Tutti argumentou, tirando o cigarro da mão do menino.
Entre os dois, havia um sentimento visível, porém, não declarado, verbalmente, pelo menos. Quando a maconha já havia surtido efeito, os dois estavam aos beijos, parando um pouco para fazer outro cigarro.
- Esse é pra mais tarde. Vamo entrar no meu quarto. - Tarcie disse sério.
- ... - Tutti respondeu, sabendo o que viria em seguida.

Quando Tutti acordou, sentiu seu rosto molhado por lágrimas. Odiava lembrar daquela noite. Decidiu beber a garrafa de vodka da pequena adega de seu pai. Dormiu novamente, depois de beber muito.

Kléo estava em casa, acabara de entrar. O pai ia levá-lo no jiu-jitsu. E agora?! Subiu as escadas de vinte e cinco degraus e passou por alguns corredores até chegar à seu quarto. Achava a própria casa tão impessoal. As paredes brancas, com quadros geométricos. Móveis modernos e desconfortáveis. Sua mãe decorava a casa baseada em cada nova tendência que aparecia em matéria de decoração. Foi para o quarto, onde se sentia ainda mais desconfortável.
O lugar era imenso, paredes cinzas, pôsteres de mulheres quase nuas decoravam a parede. O pai não permitia que ele limpasse o próprio quarto, dizia que era coisa de mulher e de bicha. "Eu sou bicha, pai", pensava ele. Havia momentos em que queria contar para ele, contar que nunca transara com Tutti, como ele contou para o pai que tinha feito, queria contar que fazia aulas de maquiagem e não de jiu-jitsu. Queria contar tanta coisa... Como não podia, fechou os olhos e recordou, com um sorriso saudoso.

Ele, Junie e Marcello estavam na casa dela, estudando. Sempre gostara daquele garoto e ficava feliz por estar perto dele. Quando Junie foi pegar mais suco, o garoto alto, de cabelos castanho-escuros bem cuidados, e olhos cor de mel se aproximou:
- Posso fazer uma coisa? - Marcello perguntou, em seu tom de voz baixo e provocante. Antes que Kléo pudesse responder, Marcello o beijara. Um beijo longo e quente. Tutti chegara nessa hora e riu, depois subiu. "Foi fumar com o Tarcie.", pensou Kléo. Quando se afastou, pôde ver Junie olhando.

Abriu os olhos, rindo, feliz. Colocou o kimono e foi para a aula. Quando o pai aparecesse, acharia que o filho esteve na aula o tempo todo. E foi embora.

Tarcie entrou antes da irmã em casa. Os empregados limpavam a sala, com móveis caros, enfeites e vasos de flores. Foi direto para a cozinha e almoçou. A cozinha era toda branca e moderna. Enquanto a irmã ajeitava seu prato cuidadosamente para que Inácia colocasse a comida, Tarcie olhava a janela, tentando avistar a casa que ficava duas casas abaixo da dele. Só podia ver as árvores.
Ela não estava na piscina, certeza. Subiu a escada limpa meticulosamente em direção a seu quarto. Abriu a porta e se trancou lá dentro. As paredes eram azul-escuro, cobertas por lambe-lambes, pôsteres de skatistas famosos, o chão não aparecia mais, eram tantas camadas de roupa
sujas jogadas nele que cobrira-o por completo. Deitou na cama, aquela mesma cama. Perguntava a si mesmo se poderia reviver tudo se dormisse. E dormiu.

Depois daquela noite, alguma coisa havia mudado para ele. Foi a primeira vez que fez muitas coisas, mas alguma coisa mais profunda acontecera. Quando ela chegou para falar com ele, no outro dia, antecipara-se:
- Ah, sabe... maior brisa ontem. Nem acredito naquilo, nunca mais fumo perto de você! Hehehe, tava na brisa total. - disse, tentando parecer casual. Mas alguma coisa aconteceu nos olhos dela, como se uma luz tivesse sido apagada.
- É... na brisa! Eu também! Bom... vou pra casa - e saiu. Ela tinha a voz trêmula. Tarcie não se dera conta disso, anos atrás.

Quando despertou, repetia em sua cabeça "Idiota! Idiota! Como eu... ah! Idiota!" e saiu de casa, foi para o Villa-Lobos pensar em outra coisa.